segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Costela de Caim


Nunca matei meu irmão:
Compartilhei com ele de sua ira
Podia compreender seus medos, seu abandono, sua queda
Queria também que o Pai olhasse por ele
Por nós...

Abel impunha sua ordem:
E quem iria ousar falar do caos?
Qual dos filhos da terra sacrificaria seu nome
pra fazer sangrar um cordeiro?
Quem, entre nós, enfrentaria o exílio pra dizer
aos outros os segredos de Blake: “se eles não fossem os tolos, nós teríamos que ser”?

Houve um tempo, quando as montanhas ainda se moviam,
Que eu sonhava com um anjo exterminador:
Ele faiscava sua espada diante de meus olhos
Sua língua vulcânica engolia minhas mãos
Tive tanto medo, tanta culpa!
Então, numa tarde de descanso, ele se deitou ao meu lado e disse:
“Só os mais elevados espíritos podem suportar o exílio!”

Dizem os cronistas celestiais que quando o fogo purifica,
Quando dele brota alguma alma decaída que enfrenta a sua própria estupidez,
Uma legião de anjos aplaude a sua coragem!

Não foi por isso que nunca matei meu irmão
Nem por conta de sua costela que me concebeu
que nunca maldisse seu nome
Foi por respeito á sua existência que recuei o meu punhal da moral!

Ele, Caim!, o mais ousado, tão forte, contestou nosso Pai:
Questionou a preferência, o “povo escolhido”
Sujou suas mãos de terra, perdoou os vermes,
Provou do ópio, bebeu do sangue, destilou o álcool...
E eu lhe dei abrigo: matei sua sede curei sua ressaca esquentei sua comida
Lavei seus andrajos limpei suas feridas e saciei seus desejos de incesto...
Sua dor era minha, sua costela era eu.

Abel morreu
Caim sobreviveu
Eu, a irmã, nenhum Evangelista ousou citar.

E, no entanto, estamos todos aqui...!

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